Texto do Centro Acadêmico de Estudos de Química (CAEQ/Unicamp) – Gestão Maré
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Na 3ª Assembleia Geral dos Estudantes da Química, realizada no dia 27/07, foi aprovada a proposta de boicotar as matrículas em disciplinas experimentais do Instituto de Química da Unicamp. O objetivo do boicote é repudiar a implementação impositiva do Ensino Remoto Emergencial (ERE) – uma cortina que mascara os intentos do capital estrangeiro de implementação da Educação à Distância (EaD) como política pública – enquanto forma ativa de privatização da universidade pública, como evidenciado em nosso manifesto. Além disso, trata-se da defesa intransigente do direito de ensinar, estudar e aprender, lutando contra qualquer tentativa de precarização do ensino.
Assim como em todas as áreas do conhecimento, a desvinculação da teoria e prática no aprendizado é uma perda imensurável no curso de química. O Instituto de Química da Unicamp preza pela sua volumosa carga de laboratórios, que sem dúvida alguma contribuíram para a formação de excelentes profissionais e cientistas nos seus 53 anos de existência. Como é possível tanta normalidade frente a perda dessas horas de laboratório durante a pandemia? Para melhor avaliarmos o impacto precarizante destas medidas, levantamos as perdas sofridas no que tange às disciplinas experimentais.

Mesmo com as promessas da Comissão de Graduação de oferecimento de disciplinas eletivas experimentais de férias de verão, estas não serão capazes de repor totalmente a carga horária perdida. Além disso, nem todas as disciplinas experimentais serão ofertadas, visto que os departamentos deliberaram que algumas disciplinas atenderam os requisitos mínimos de “aprendizado” no modelo à distância. Acumula-se a isso a inevitável sobrecarga dos técnicos de laboratório, que devido ao baixo número de funcionários, não poderão realizar propriamente o rodízio para minimizar os riscos de contaminação por covid-19.
Neste cenário de incertezas perante a total reposição da carga horária perdida, os diversos problemas encontrados pelos estudantes no decorrer do primeiro semestre de 2020 quanto ao aprendizado, flexibilização de prazos e a já exposta problemática das disciplinas experimentais, não há saída senão o boicote.
Depois de organizarmos rodas de conversa com os diferentes anos de ingresso, de forma a expor os motivos para realização do boicote e discutir as peculiaridades de cada disciplina, expomos aqui os resultados alcançados. Durante todo o processo, foi explicitado que entendemos a situação dos alunos que não possuem condições materiais adequadas para estender sua graduação ou que estão no período de conclusão de curso. Neste sentido, diversos alunos procuraram o CAEQ para falar sobre suas situações e demonstrar apoio ao movimento de boicote, mesmo que estes não possuíssem condições para realizá-lo.
No segundo semestre de 2020, foram oferecidas 10 disciplinas experimentais obrigatórias para nossos cursos (QA282, QA584, QF053, QF632, QF952, QG109, QG464, QG650, QG664 e QO622). Segue abaixo a tabela com os resultados de matrículas adquiridos pelo sistema da Diretoria Acadêmica da Unicamp (DAC) após alteração de matrícula.

Quanto aos resultados apresentados, destacamos aqui algumas observações:
(I) Algumas disciplinas são ofertadas em diferentes turmas e, em alguns casos, as turmas são específicas para determinados cursos. Quando isto acontecia, selecionamos os dados apenas das turmas dos cursos 05 (Química) e 50 (Química Tecnológica).
(II) A demanda de vagas aqui utilizada é proveniente da DAC, que envia semestralmente à CG a demanda relacionada às disciplinas a serem oferecidas no semestre seguinte. Como participante da CG, o representante discente possui acesso aos dados. Assim, este número engloba todos os estudantes que estariam em fase em relação à disciplina, cuja definição para a DAC é possuir os pré-requisitos necessários para cursá-la em seu próximo oferecimento, e também aqueles defasados, uma vez que durante a distribuição de carga didática a CG decidiu, para todas as disciplinas aqui
mencionadas, abrir vagas suficientes para a atender o total de estudantes em fase e defasados.
(III) As vagas ofertadas representam o número de vagas que consta no caderno de horários da DAC, acessado em 05/10/2020.
(IV) QF053 é uma disciplina de concluintes, em que a maioria dos estudantes encontram-se fazendo estágio. Dessa forma, para muitos boicotar a disciplina significa estender demasiadamente o tempo de integralização, podendo até mesmo perder acesso às bolsas e efetivação de estágios.
(V) QF952 é uma disciplina ofertada para os cursos 50 e 56 (Licenciatura Integrada Química/Física) em uma mesma turma, uma exceção ao caso apresentado em (I). Assim, não foi possível contabilizar apenas os matriculados representados pelo CAEQ e que participaram dos debates relacionados ao boicote.
(VI) Um total de seis turmas desta disciplina foram fechadas após o período de matrícula por não haver alunos matriculados.
Os dados aqui apresentados são demonstrativos claros do rechaço estudantil ao ERE e de que a saída para barrar sua imposição é o boicote por parte dos alunos, buscando apoio dos docentes por todo o processo. É importante ressaltar as diversas tentativas da Unicamp em tentar mascarar a realidade das atividades à distância, utilizando manchetes falaciosas em seu site como “ Pesquisa aponta que 87% da comunidade universitária aprova desempenho da Unicamp durante pandemia ”, publicada no dia 30/09, sendo que, no dia seguinte, realizou outra publicação anunciando que a
Unicamp participará de uma segunda pesquisa “que vai avaliar as competências digitais dos professores de 67 instituições de Ensino Superior do país ”, cujos “ dados da pesquisa vão servir para que as universidades promovam a formação digital de seus docentes e possam planejar a incorporação de mais recursos digitais em seus currículos ”.
Neste momento estamos elaborando um texto para nos debruçar exclusivamente sobre o real caráter desta última pesquisa, mas chamamos atenção para “ incorporação de mais recursos digitais em seus currículos” , um novo sinônimo do dicionário da Unicamp para EaD.
Aproveitamos aqui para fazer uma breve análise sobre a primeira pesquisa cujos resultados já foram divulgados e seu significado. A pesquisa em questão, desenvolvida por órgãos burocráticos da universidade, contou com apenas 20,5% de participação da comunidade universitária. De qualquer forma e tendo em vista o supracitado, exibiremos aqui alguns dados obtidos pela pesquisa e sua relação com a opinião dos estudantes a respeito do ERE.

Como observado na própria pesquisa realizada pela Unicamp, a imposição do ERE demonstrou severa perda de conteúdo e capacidade de aprendizagem por parte dos estudantes. De acordo com a Figura 1, pelo menos 66,5% dos estudantes se queixaram de média a muita dificuldade de adaptação às atividades e dinâmica das aulas; e 52,5% relataram de média a muita dificuldade em adaptação ao uso de metodologias como atividades práticas, sendo o mais expressivo 24,5% relatando muita dificuldade.

O espaço propício ao aprendizado e desenvolvimento das dinâmicas inerentes à sala de aula não podem ser reproduzidos no ambiente doméstico. O processo de aprendizagem é muito mais que a simples transmissão de conhecimento, é toda forma de interação que existe entre os estudantes e os docentes com discussões e debates, que tornam o ambiente de sala de aula tão imprescindível para a educação. A partir dos dados coletados pela Unicamp, observa-se que a ausência de um espaço próprio ao processo de aprendizagem é fortemente sentida pelos estudantes: 53% sofrem interrupções e dificuldades em manter o cronograma de estudos; 62% tem dificuldade em conciliar atividades das disciplinas com tarefas da casa e 42% não possuem acesso a um espaço apropriado de estudo. Além disso, o espaço de sala de aula representa mais do que apenas um mero local de aprendizagem, é essencial como parte da vivência universitária: 68% reportaram a ausência do convívio presencial como grande problema do ERE e 52% colocaram falta de motivação para o aprendizado online.

Toda a panaceia da EaD para o período de pandemia e isolamento social caiu por terra. A prática do ERE demonstra-se na realidade como uma grande tragédia: 63% dos estudantes discordam ou discordam muito sobre se sentirem mais confortáveis em participarem das aulas remotas do que presenciais; 61% concordam ou concordam muito que tem mais interrupções ao estudar em suas residências e que isso afeta o acompanhamento das disciplinas; 56% concordam ou concordam muito que se sentem mais estressados estudando em casa e 65,5% discordam ou discordam muito que estudar em casa os ajudam a ser mais disciplinados. Estes dados reforçam não só a necessidade do ambiente adequado ao ensino, estudo e aprendizagem, mas também a impossibilidade que é querer transpor o espaço e as relações do ensino presencial, que são essenciais para a formação do estudante.
Como já foi dito repetidas vezes, a EaD é um projeto privatista contra a educação e a universidade pública e sua imposição não é mera obra do acaso da pandemia. Seu fracasso observado na pesquisa supracitada demonstra que sua imposição não visa o aprendizado e o bem-estar dos estudantes, apenas o continuado avanço do capital sobre a educação, seus intentos privatistas e sua busca contínua pelo aumento dos lucros.
Os estudantes elegeram como sua única e possível tática de luta o boicote à EaD. O fracasso do ERE foi novamente verificado com o massivo boicote dos estudantes de química às suas disciplinas experimentais a distância. Os estudantes não aceitarão calados a ingerência do capital estrangeiro, principalmente norte-americano, sobre a educação, defenderão a universidade pública e seu legítimo direito de ensinar, estudar e aprender.
DEFENDER A UNIVERSIDADE PÚBLICA, GRATUITA, COM AUTÔNOMA E
DEMOCRÁTICA!
EM DEFESA DO DIREITO DE ENSINAR, ESTUDAR E APRENDER!
BARRAR A IMPOSIÇÃO DA EaD IMPULSIONANDO O BOICOTE!