Informes da Ocupação do Bigarella
Saudações combativas a todos e todas estudantes que tem lutado em defesa do ensino público e gratuito. Vemos a cada dia como o protesto popular tem avançado nos campos e favelas de nosso país, apontando diretamente contra as políticas anti-povo do governo de Jair Bolsonaro e generais. Nas escolas e universidades, milhares tem se levantado em sucessivos embates em defesa da gratuidade do ensino, principalmente após a realização do vitorioso 41º Encontro Nacional de Estudantes de Pedagogia (ENEPe). Lutando por aplicar seu Plano de Lutas, a Executiva Nacional de Estudantes de Pedagogia buscou unir-se a todos os estudantes democráticos, interessados na defesa da universidade pública, ameaçada pelos sucessivos cortes de verbas. Por este motivo estamos compondo diretamente a ocupação do prédio de Ciências da Terra, João José Bigarella, no Centro Politécnico da UFPR. Como forma de impulsionar esta luta e fazer dela um exemplo para todos os estudantes, faremos um informe diário do andamento da ocupação, que será publicado diretamente no site da Executiva – exnepe.org.
Primeiro dia 13/07:
Após uma vitoriosa manifestação capitaneada por estudantes de geologia, biologia e pedagogia em 07 de julho, foi desatada uma campanha massiva de mobilização em toda a UFPR. Esta campanha contou com dezenas de panfletagens, assembleias, passagens em sala, levando a uma nova manifestação no dia 13 do mesmo mês. Neste dia dezenas de estudantes se reuniram em frente ao RU do Centro Politécnico, fizeram falas em defesa da universidade e em denúncia dos cortes de verbas e da capitulação da burocracia universitária, a todo momento puxando palavras de ordem, distribuindo panfletos e colando cartazes por todo o campus. Após as falas os manifestantes dirigiram-se em marcha até o prédio João José Bigarella. Uma vez em frente ao prédio, após nova rodada de palavras de ordem e falas, a fachada de todo o prédio foi forrada de lambes com consignas de luta. Os estudantes então dirigiram-se para o interior do Bigarella onde foi lido em voz alta o panfleto que anunciaria a ocupação!

A ocupação fora decretada. Imediatamente estudantes correram para anunciá-la aos funcionários e fechar as portas, preparando-se para resistir às primeiras horas. Dentro do edifício o clima era de animação generalizada. Palavras de ordem, seguidas de cantorias e falas combativas eram entoadas a todo o momento. Os funcionários da universidade, na sua maioria técnicos e terceirizados, se solidarizaram com os estudantes e seu receio inicial logo foi substituído por um clima amistoso. Logo todos saíram sem maiores problemas e o Bigarella ficou nas mãos dos estudantes. Alguns burocratas, incrédulos com a audácia dos alunos, logo se apresaram às portas do edifício, tecendo ameaças e tratando a todos como crianças. Sua risível oposição foi imediatamente dissipada pela resposta combativa da ocupação. Logo mais foi realizada a primeira assembleia da ocupação, na qual, dezenas de estudantes aprovaram por unanimidade o estatuto da ocupação e delimitaram o andamento do primeiro dia. Em poucos minutos começaram a surgir estudantes para apoiar os ocupantes. Em grupos, entravam no edifício, conheciam as pautas e se familiarizavam com a greve de ocupação.

Pelo fim da tarde os estudantes da ocupação participaram em uma assembleia do curso de Ciência da Computação, na qual foram recepcionados com muita firmeza pela plenária, que saudou sua combatividade e audácia. Uma hora depois participaram de uma assembleia geral dos estudantes da UFPR, convocada pelo DCE. Na assembleia agiram como vanguarda de toda o movimento estudantil da UFPR agitando todos os cursos para resistir aos ataques com greve de ocupação e rechaçar o imobilismo. A disputa de ideias foi muito frutifica, a resistência que alguns estudantes apresentaram, por receio e incompreensão sobre está tática de luta, foi aos poucos sendo neutralizada, até que a assembleia declarou apoio à ocupação do Bigarella e reconheceu a greve de ocupação como o caminho para concretizar a resistência estudantil. Esta grande vitória foi comemorada por todos os estudantes na ocupação em mais uma assembleia durante a noite. Logo após foi servida uma janta para os presentes, o local foi limpo e os estudantes se prepararam para dormir revezando-se para fazer a segurança do local.

Segundo dia 14/07:
A quinta-feira iniciou com uma assembleia da ocupação para determinar o cronograma do dia. Uma vez delimitadas as atividades todos lançaram-se por cumpri-las, principalmente objetivando elevar a propaganda e organização. Durante a manhã foram produzidos grandes cartazes para serem expostos em frente ao Bigarella. As consignas de “Ousar Lutar, Ousar Vencer”, “Só a Luta Muda”, “Abaixo os Cortes”, “RM Cadê Você” [referência ao reitor Ricardo Marcelo que ainda não se posicionou sobre a ocupação], “Ocupar e Resistir” e muitas outras, preencheram a fachada do edifício. Logo mais, várias duplas de estudantes saíram por todo o campus colando lambes com palavras de ordem e durante o almoço foi organizada uma panfletagem no RU para divulgar a ocupação.

Após o almoço dezenas de estudantes vieram para o Bigarella buscando conhecer mais e apoiar a ação combativa. Foi então organizada uma leitura e discussão do panfleto na qual todos puderam se posicionar e tirar suas dúvidas, o que reforçou ainda mais a unidade. Ao fim da tarde os companheiros do Jornal A Nova Democracia (AND), que desde o início tem apoiado e divulgado a ocupação, realizaram a leitura conjunta de seu panfleto em defesa da advogada do povo Lenir Correia Coelho, perseguida por defender os camponeses pobres de Rondônia, e convidaram todos a panfletá-lo no RU. Dezenas de estudantes então aderiram à atividade, proporcionando grande solidariedade a esta luta justa.



À noite recebemos a visita da Professora Andrea Caldas, renomada pesquisadora da pedagogia e defensora da educação pública e gratuita, que após conversar com os ocupantes gravou um vídeo em apoio à ocupação. Após a janta os estudantes partiram para uma calorosa atividade cultural, aberta a todos. Foi organizado um bailinho, com comidas, música, dança, quadrilha, roda de capoeira e brincadeiras, o que elevou o moral e unidade de todos. Uma vez mais, antes de dormir, todo o espaço foi organizado e limpo.



A ocupação do Bigarella segue ganhando apoio entre os estudantes, professores e a população, servindo como trincheira da luta em defesa do ensino público e gratuito! Em todos os cursos da UFPR os estudantes estão discutindo a ocupação, os cortes de verbas e a situação política do país. Estudantes de outras universidades tem demonstrado seu apoio, participando das atividades, gravando vídeos e se manifestando pelas redes sociais. Resta saber agora por quanto tempo a Reitoria da UFPR e o MEC vão ignorar as exigências estudantis, e se estão dispostos a ver mais prédios ocupados em função de seu silêncio…

Terceiro dia 15/07:
Na sexta-feira, dia 15/07, novamente foi realizada uma assembleia da ocupação pela manhã. Os ocupantes avaliaram com entusiasmo o andamento da luta, especialmente quando viram os vídeos em apoio à ocupação, enviados por estudantes de diferentes universidades do país. O nível de organização da ocupação foi elevado com a produção de quadros com tarefas e cronograma delimitados. Após a assembleia, novamente foi realizada uma oficina de produção de cartazes. Dessa vez a atividade foi realizada do lado de fora do Bigarella, para envolver mais os estudantes que passam diariamente pelo prédio. A decisão foi acertada, dezenas de estudantes participaram da atividade enquanto ouviam músicas populares. Agora, além das consignas anteriores, estampam o edifício as frases: “195,00 é roubo! Abaixo o vestibular!”, “A universidade é do povo, ocupamos e ocuparemos de novo!”, “Queremos + 10% para os campos!” e “Ricardo Marcelo. Te esperamos no Bigarella!”. Além destas, também foi feita uma grande faixa para ser pendurada na passarela em frente a BR, com a consigna de “Barrar os cortes na educação com greve de ocupação!”.


Pela tarde novamente foi realizada uma extensa colagem de lambes, com mais de 500 lambes colados por dezenas de estudantes em todo o campus e no entorno, no qual se destacou a participação combativa de estudantes de Pedagogia que se solidarizaram com o movimento após uma professora demonstrar seu apoio à ocupação em sala de aula. Após breve descanso foi realizado um vitorioso cinedebate com os filmes “Resistimos Lutamos e com a Greve Triunfamos”, que retrata a vitoriosa greve da UNIR de 2011 e o vídeo de denúncia da perseguição política na UFPR, produzida em 2018 em meio à ocupação do DSG. Os presentes ainda debateram textos do jornal estudantil “Estudantes do Povo”, que retratava o cenário da privatização do ensino no Brasil.


De noite foi realizada uma nova atividade cultural com música e dança, dessa vez acompanhada de quentão de pastel, vendidos a preço de custo para todos. A ocupação, agora consolidada, representa a principal trincheira de luta de toda a UFPR. Em vários cursos da universidade, principalmente na Pedagogia, estudantes e professores, têm visto em seu exemplo o caminho a seguir para barrar o corte de verbas e, no caso particular da pedagogia, a monstruosa resolução 02/2019 do CNE, que na prática acaba com o curso de Pedagogia no Brasil.

Quarto dia 16/07:
O quarto dia da ocupação do Bigarella iniciou com mais uma assembleia para balanço do dia anterior e definição das atividades. Os estudantes ressaltaram com vigor a atividade cultural e o vitorioso cinedebate realizados na sexta, bem como demarcaram a necessidade de unir o movimento das Ciências da Terra com a luta da Pedagogia contra a resolução 02/2019, e dos secundaristas paranaenses contra a UNICESUMAR.



Em seguida foi realizada uma extensa limpeza e organização de todo o local. Após o almoço, organizado por apoiadores do movimento, todos se dirigiram para o gramadão em frente ao RU para jogar bola e fazer exercícios. Fora o fato de sermos todos muito perna de pau, a atividade foi muito positiva, reforçando a unidade da ocupação.



Ao fim da tarde foi realizado o primeiro ensaio de uma peça de teatro produzida na ocupação, intitulada “Batalha do Politécnico”, que retrata este evento histórico, no qual, centenas de estudantes enfrentaram o exército em uma batalha campal dentro do campus em 1968 para barrar a aplicação dos acordos MEC-USAID e a cobrança de mensalidade nos cursos de engenharia. Pela noite recebemos novos apoiadores que vieram se solidarizar com a ocupação. Todos jogaram jogos educativos, enquanto jantavam e assistiam a um excelente vídeo em apoio à ocupação enviado pelos companheiros do Pará.




Quinto dia 17/07:
O domingo, 17/07, foi reservado para descanso, não havendo atividades previstas em calendário. Os companheiros que ficaram na ocupação passaram o dia conversando, vendo filmes, lendo, jogando volei e preparando as atividades para a semana seguinte. Ao fim da tarde receberam a visita de 10 estudantes de psicologia que foram prestar solidariedade à ocupação e com eles discutiram a situação dos cortes de verbas na universidade. Na segunda-feira 18/07 está prevista uma assembleia do curso de Psicologia para debater a greve de ocupação. Animados, os estudantes demonstraram interesse em tomar os campus do centro, emulando o exemplo da ocupação do Bigarella.
Sexto dia 18/07:
A segunda-feira, sexto dia de ocupação, teve início após uma nova assembleia. Foi determinado o cronograma e tarefas principais. A ordem do dia foi a propaganda. Após breve organização e limpeza do espaço, foi dado um novo impulso na publicação de matérias online, na divulgação das assembleias dos cursos de Psicologia e Pedagogia, previstas para a noite. Muitos calouros de diversos cursos se envolveram nas atividades, principalmente da Geologia. Após o almoço todos se dedicaram à leitura e discussão de matérias publicadas pelo jornal Estudantes do Povo, que debate os caminhos da luta estudantil atual, tomando posição pelo caminho classista e combativo, além de finalizar uma grande faixa contra os cortes de verbas.

À tarde todos se animaram muito ouvindo a entrevista dada por uma estudante da ocupação para a rádio BAND NEWS FM, na qual denunciava o corte de verbas como política reacionária voltada à privatização da universidade, transferindo recursos diretamente ao latifúndio, bem como denunciava a política capitulacionista da Reitoria na gestão dos cortes. Em seguida a mesma rádio transmitiu uma entrevista dada pelo reitor sobre o tema, e os próprios radialistas demarcaram a justeza da luta estudantil.
Curiosamente, não demorou muito, recebemos, finalmente, o primeiro contato oficial da Reitoria da UFPR, às 16h30, que em uma nota, escrita às pressas, convocava os representantes da ocupação a reunirem-se com eles às 20h00 (seria este um sinal de desespero?). Sem mencionar nenhum dado concreto afirmava ser a ocupação fonte de consideráveis prejuízos aos estudantes e, sem a menor vergonha na cara, a Reitoria, que fez de tudo para adiar ao máximo possível o retorno presencial da universidade, parte do motivo pelo qual estamos nessa situação deplorável hoje, disse que “é no mínimo contraditório que um movimento tem no ensino presencial um de seus pontos centrais promova uma ocupação que impede a realização de aulas presenciais”. Imaginamos que a Reitoria esperava que nos manifestássemos pelo twitter como o resto do movimento estudantil, provavelmente. Sem falar que absolutamente ninguém foi impedido de entrar no prédio. Inclusive vários professores e alunos, que pediram para acessar seus laboratórios, o fizeram sem maiores problemas.
Após pedirem para que a Reitoria remarcasse a reunião, os mesmos afirmaram convictamente que não. Que já estavam todos ali esperando e que esta era a única oportunidade pois, segundo eles mesmos, o reitor estava sendo muito pressionado e queria desocupar amanhã cedo! Que medo! (deles, é claro). O mais engraçado é que nem mesmo se encontravam ali, um estudante apoiador da ocupação avistou todos os pró-reitores que participaram da reunião em um café no centro, bastante afastado do Politécnico. Sem pestanejar, os estudantes mantiveram-se firmes e escreveram o seguinte documento no qual recusavam-se a aceitar a data dos burocratas:
“Prezados. Após 6 dias de ocupação, finalmente temos a feliz notícia de que desejam dialogar com o movimento estudantil que ocupou o Bigarella. Acompanhamos com entusiasmo todas as visualizações que o Reitor fez em nossas publicações desde quarta-feira, e nos surpreendemos ao saber que só tomaram conhecimento da ocupação no sábado. De qualquer forma agradecemos o contato, porém infelizmente hoje não teremos condição de reunir com a qualidade devida, uma vez que tiramos o dia para apoiar as assembleias de cursos em outros campi e não houve tempo hábil para realizarmos nossa própria assembleia e deliberarmos decisões democraticamente. Quanto às demarcações que fazem quanto ao prejuízo que supostamente estamos causando aos estudantes pelo impedimento das aulas, os senhores bem sabem que isso não é verdade. As ocupações sempre foram parte da luta estudantil, esta foi inclusive referendada por assembleia geral dos estudantes da UFPR, e por mais longa, ou curta que seja, seu efeito político em muito sobrepassa qualquer dano que possa causar, inclusive não foi negado acesso ao prédio a nenhum professor, estudantes e pesquisadores que desejaram acessar os gabinetes e laboratórios. Muito mais danoso, em nossa opinião é o resultado de algumas decisões da própria reitoria, como o aumento do valor do vestibular para 195,00, a precarização das aulas de campo e a continuidade das aulas EaD muito após o suposto ‘retorno presencial’ da UFPR, para citar alguns. Assim como vocês, desejamos encerrar o quanto antes esta ocupação e, para isso, uma vez mais pedimos que atendam nossas demandas, pois não são nada mais que justas. Por isso convidamo-vos a reunirem-se conosco amanhã as 20h00.”

Após uma comitiva entregar a carta aos pró-reitores, estes ficaram por longo período de tempo tentando a todo custo forçar a reunião naquele momento para aproveitarem-se de nossa situação. Em vão! Não recuamos por sequer um minuto e forçamos nova reunião para a terça-feira, 19, às 20h00.
Enquanto tudo isso acontecia no Poli, os outros campi da universidade ferviam com intensos debates. Na psicologia, mais de 20 estudantes aprovaram em assembleia o apoio e reconhecimento da ocupação do Bigarella e na Pedagogia, quase 200 estudantes, professores e técnicos discutiam, em uma assembleia setorial, a recente Nota Técnica do CNE, que orienta os cursos de pedagogia quanto a aplicação da BNC de Formação de Professores. Todos os professores que se manifestaram demarcaram contrariedade ao projeto. Alguns invocaram argumentos técnicos e jurídicos, outros, mais ousados falaram na necessidade de desobedecer a resolução 02/2019 do CNE, muitos demarcaram ser política privatista que visa favorecer o setor privado e de Ensino à Distância, e uma professora até rememorou as vitoriosas ocupações secundaristas de 2016 como caminho de luta. De toda a forma, a Executiva Nacional de Estudantes de Pedagogia se posicionou de maneira firme, demarcando a necessidade de construir um amplo movimento de mobilização contra a aplicação da resolução 02/2019, independente do resultado eleitoral, independente da presença ou não de caráter normativo da Nota Técnica e independente da burocracia universitária. A luta classista e combativa, construída diariamente nas salas de aula, nas ruas e mirando a ocupação de todas as escolas e universidades é o único caminho para barrar tais ataques privatistas. Ao som da palavra de ordem “Sou pedagogo! Sou cientista! E não aceito o caminho imobilista!”, o auditório todo aplaudiu.



A luta só cresce, na terça-feira a Reitoria terá que se defrontar com toda a força do movimento estudantil combativo e, independente de sua resposta, não há dúvidas de que já perderam. A ocupação do Bigarella já é vitoriosa!
Sétimo dia 19/07:
A terça-feira, 19/07, teve início com nova assembleia da ocupação. Os estudantes deliberaram por dedicar o dia à propaganda em função de mobilizar estudantes para a reunião prevista com a Reitoria da UFPR às 20h00 e para estudar textos relativos ao histórico do movimento estudantil. Estudantes de diversos cursos foram convidados para a reunião. Na assembleia de Artes Visuais que ocorreu pela manhã, os estudantes deliberaram por apoiar a ocupação e produziram cartazes para levar em peso na reunião. A Reitoria publicou em seu portal virtual uma nota mentirosa atacando o movimento estudantil e tentando taxar os estudantes de radicais e antidemocráticos.

Seu cinismo saiu pela culatra. Centenas de estudantes se manifestaram em repúdio à nota. Os CA’s de Administração e de Direitor fizeram notas públicas em defesa da ocupação. Na Geologia estudantes e professores debateram intensamente sobre a luta, prevalecendo ao fim a posição estudantil. Pela noite, pouco antes da reunião com os burocratas, já havia mais de 80 estudantes no Bigarella preparando-se para cobrar uma posição da Reitoria. Após combativas falas e palavras de ordem, seguiram em marcha para o prédio ao lado onde seria a reunião. Os pró-reitores, francamente amedrontados, insistiram inúmeras vezes para receber apenas uma comissão de 4 estudantes e que estes se identificassem (para facilitar a repressão depois). Foram contundentemente aplastados pela massa estudantil que recusou-se a sair ou identificar ninguém.

Durante toda a negociação os representantes da administração negaram qualquer responsabilidade sobre a situação da universidade, sempre colocando a culpa no governo federal e tecendo loas ao magnífico reitor, que de tão democrático que é nem mesmo se deu ao trabalho de aparecer para conversar com os estudantes. A hipocrisia da administração foi tamanha que chegaram mesmo a acusar o movimento estudantil combativo de ter produzido o dossiê no qual mapeiam estudantes e trabalhadores em luta por seus direitos, com uma mirabolante teoria de que uma “organização” estudantil altamente organizada e equipada teria hackeado o sistema de câmeras para direcioná-las aos rostos daqueles identificados, bem como teria compilado todo o conteúdo e feito as legendas. Com certeza esta hipótese faz muito mais sentido do que o fato da Reitoria estar infiltrada pela Polícia Federal e ABIN, claramente.

Inúmeras falas foram feitas denunciando a falta de bolsas, a continuidade da EaD em cursos presenciais, o cortes de terceirizados etc. Para a Reitoria tudo isso teria apenas um nome: fake news. Uma vez que na universidade federal do Paraná não há EaD, não faltam bolsas nem trabalhadores terceirizados, e há verbas para aulas de campo à vontade. Só se esqueceram de mencionar que não há nenhuma forma de fiscalização quanto à contínua aplicação de aulas EaD na universidade, situação aproveitada por vários professores descomprometidos com a qualidade do ensino. Bem como esqueceram do fato de terem imposto um semestre a mais em toda a UFPR em 2022, contrariando todas as consultas feitas à comunidade acadêmica, o que faz com que as verbas alocadas anualmente sejam insuficientes para o desempenho das atividades acadêmicas, em especial as aulas de campo que sofrem imensamente com a inflação, especialmente do diesel e alimentação no período. Quanto a terceirização, nem se fala, basta lembrar as intensas lutas que marcaram a UFPR entre 2017 e 2019, nas quais a combativa união entre trabalhadores e estudantes foi o que barrou as demissões e denunciou os abusos das empresas e da administração da universidade:
https://paranaportal.uol.com.br/cidades/estudantes-ocupam-reitoria-da-ufpr
Estudantes ocupam reitoria da UFPR, em Curitiba, em defesa de terceirizados
Quando questionados sobre o valor absurdo de R$ 195,00 para a taxa do vestibular, os pró-reitores já tinham a resposta na ponta da língua, se trata do valor necessário para “democratizar” o processo seletivo, levando-o para o interior. O contrassenso é tamanho que estes senhores nem mesmo consideraram que poderiam ter atingido as cidades do interior simplesmente expandindo as vagas do SISU, sem custo adicional nenhum! Não, para eles, muito mais democrático foi impor 25% de aumento em uma reunião do Conselho Universitário (COUN) convocada no final de semana e realizada em regime de urgência e de forma online! E ainda quiseram dar lição de moral para o movimento estudantil sobre democracia universitária, pois supostamente temos representantes eleitos no COUN e fomos voto vencido. Faltou apenas lembrar que mesmo embora o estudantado represente 90% da comunidade acadêmica, apenas 15% dos assentos no conselho são de estudantes.

Após três horas de intenso debate foram apresentadas propostas de mediação que iam de encontro com certos aspectos das reivindicações da ocupação mas, após assembleia da ocupação, realizada em um intervalo da negociação, os estudantes deliberaram por não aceitar as condições de cara e tentar impor à Reitoria que fosse chamada uma reunião do COUN para rediscutir o valor do vestibular. Duas advogadas populares que acompanhavam a discussão presencialmente elogiaram a postura dos estudantes e demarcaram que a Reitoria estava apenas de enrolação. Uma delas, rememorando seu tempo de estudante nos anos 60 e 70, destacou a necessidade de lutar de forma intrangigente contra o imperialismo, lembrando dos acordos MECUSAID, que prenunciavam o fim da gratuidade no ensino superior público.

Em nova rodada de negociações, os burocratas se mostraram absolutamente indignados com a proposta, principalmente por entender que tal reunião, sendo algo que estava diretamente sob controle do reitor chamar, era possível de ser obtida e que, se fossem bastante pressionados nela, haveria um risco real de perderem. Portanto, não houve acordo. A comissão da Reitoria tentou manter os estudantes na sala após sua recusa, para poder praticar seu terrorismo psicológico de sempre, mas todos retiraram-se e os deixaram falar sozinhos.
Oitavo dia, 20/07:
Após a reunião de negociação ter terminado sem acordo a Reitoria passou a aplicar táticas sujas contra a ocupação, jogando estudante contra estudante, lançaram uma nota mentirosa tentando culpar os ocupantes por “danos pessoais” aos alunos, por acabar com pesquisas cientificas (sendo que nunca foi impedido qualquer pesquisador de adentrar o prédio), e de danos (imaginários) às instalações do Bigarella. Ameaças que demonstravam claramente o caráter demagógico das afirmações da noite anterior, de que a Administração da UFPR nunca perseguiu estudantes. Em uma tentativa patética de intimidação dois pró-reitores foram pessoalmente ao Bigarella à tarde tentar forçar as companheiras lá presentes à assinar esta nota reconhecendo culpa por prejuízos que não causamos e comprometendo-nos a desocupar às 18h00 daquele mesmo dia. Foram contundentemente mandados embora. Indignados, os pró-reitores afirmaram que voltariam às 18h00 para desocupar o prédio.
Não demorou muito outros incidentes curiosos começaram a ocorrer, uma professora tentou arrombar a porta, afirmando que a Reitoria lhe disse que o prédio já estaria desocupado. Pouco tempo depois, um técnico entrou no prédio com uma desculpa qualquer e se trancou dentro de um dos laboratórios. Os companheiros da ocupação estranharam seu comportamento e pediram que abrisse a porta para demonstrar que estava tudo bem. Ele se recusou, ficando barricado dentro da sala por cerca de meia hora. Quando finalmente abriu a porta, os estudantes conseguiram entrar, mas foram agredidos fisicamente e ameaçados pelo homem. Não se intimidaram e o enfrentaram, afirmando que ele não podia fazer aquilo e que deveria ir embora. Após checar a sala para evitar qualquer tipo de sabotagem, os estudantes o colocaram para fora e reforçaram a segurança. Do lado de fora era possível ouvi-lo acusando os estudantes de terem o agredido e falando que “entramos para sua lista”.
Durante toda a tarde a comissão de propaganda da ocupação mobilizou estudantes para reforçar o Bigarella, precavendo-se contra novos ataques da Reitoria. Dezenas responderam ao chamado e às 17h00 o prédio já estava cheio. Realizou-se uma nova assembleia na qual os estudantes reavaliaram as condições da ocupação e deliberaram por buscar um novo acordo com a Reitoria, visando ter um desfecho da ocupação antes do final de semana para evitar contribuir para a estratégia de Ricardo Marcelo de isolar politicamente e colocar estudantes contra a ocupação, bem como entendendo que a luta contra o aumento do valor da taxa do vestibular necessitaria mobilizar audazmente os estudantes secundaristas, levando a necessidade de reposicionar forças de modo a dar continuidade à luta por outros meios. Assim sendo, uma nova reunião com os burocratas foi solicitada para as 18h00. Tendo aceitado o convite, montamos uma comissão de 3 alunos para participar.
Compreendendo que precisaríamos de mais força para poder impor a reunião do COUN, esta foi retirada dos termos para a desocupação, após poucos ajustes se chegou a um acordo com a Reitoria e a desocupação foi marcada para o dia seguinte, quinta-feira, 12h00.

Termos para a desocupação do edifício João José Bigarella:
1. Criação, por meio de portaria da UFPR, de comissão paritária com estudantes da Geologia, Biologia, Geografia e Agronomia, indicados por seus Centros Acadêmicos, junto a professores destes cursos e um representante da Reitoria destinada a acompanhar o orçamento das aulas de campo de 2022 e propor o orçamento anual destas aulas com base nas necessidades observadas pelos estudantes e professores, considerando o orçamento de 2023 em diante.
2. Criação, por meio de portaria da UFPR, de comissão paritária, composta por representantes estudantis indicados pelo DCE para recepção e acompanhamento de casos de aulas remotas que estejam sendo feitas de modo irregular, contrariando a resolução que determina o retorno presencial.
3. A desburocratizaçã do processo de solicitação de isenção do vestibular da UFPR.
4. Que a Reitoria retire do ar as duas notas mentirosas publicadas nos dias 19/07 e 20/07 sobre as negociações com a ocupação e se comprometa em publicar os termos da desocupação em seu portal oficial.
5. Que a Reitoria não persiga nem responsabilize qualquer estudante pela ocupação, seja por meio de processo administrativo ou civil.
Após a negociação foi realizado um balanço da Ocupação do Bigarella com todos os presentes. A animação era generalizada, mesmo não tendo conquistado a totalidade de suas pautas econômicas a ocupação foi extremamente vitoriosa, não só conquistou importantes espaços que possibilitam expandir o co-governo estudantil, tendo forçado a administração da universidade a prestar contas aos estudantes, como também mobilizou em seu decorrer mais de 300 estudantes de 5 universidades (UFPR, UTFPR, UNESPAR, PUC e Tuiuti), 12 cursos, foi tema de 5 assembleias de curso e uma assembleia geral da UFPR, realizou 3 manifestações, produziu 5 panfletos diferentes, com 7.000 distribuídos, colocou-se 11 faixas no campus, mais de 1.000 lambes colados, dezenas de espaços de discussão suscitados, uma peça de teatro composta, vários vídeos e notas de apoio recebidos, sem falar em inúmeras mobilizações espontâneas ainda não contabilizadas. Em suma foi criado um fato político incontornável, sob o qual todo o movimento estudantil da UFPR foi obrigado a tomar posição. A vitória política, portanto, em muito sobressai o ganho econômico. A Ocupação do Edifício João José Bigarella foi uma escola de luta para todos que dela fizeram parte, foi um duro golpe a toda a burocracia universitária, mas foi, também, só mais um passo na luta estudantil combativa.
Nono dia, 21/07:
Durante a manhã todo o prédio foi limpo e organizado, os estudantes passaram as últimas horas da ocupação mobilizando para uma manifestação ao meio dia que marcaria a saída do prédio. Estudantes do Colégio Estadual de Ensino Profissionalizante (CEEP) do Boqueirão, foram ajudar com a limpeza e aproveitaram para denunciar a UNICESUMAR que tem dado aulas EaD em seu colégio, bem como convidar para a manifestação que farão no dia 30 de julho contra o Novo Ensino Médio e contra a privatização do ensino técnico no Paraná.


O curso de pedagogia da UFPR, em assembleia realizada em dois turnos, manhã e noite, deliberou por unanimidade o apoio e reconhecimento da ocupação do Bigarella e comprometeu-se com a luta por barrar a Resolução 02/2019 do CNE.
Às 12h00, dezenas de estudantes reuniram-se em frente ao RU, onde teve início a marcha que levou à ocupação do Bigarella. Fizeram falas em denúncia das condições de ensino e comemoraram a vitória na ocupação. Após, marcharam pelas ruas do Politécnico em direção ao prédio. Tinha fim a vitoriosa ocupação do Edifício João José Bigarella. A luta em defesa da universidade pública, gratuita, democrática e com autonomia universitária entrou em um novo estágio na UFPR!
